Clarissa me abraçou forte e rapidamente, mas esse momento continuou bem depois de sua despedida. Seu gesto foi acompanhado de uma risada suave e, devido à proximidade da sua boca e de minha orelha, um pouco alta. Nada que tenha me incomodado, sua voz era aguda mas não causou desconforto, pelo contrário. Me lembrou uma soprano aprendendo a cantar, quando há potência sem controle das notas, somente a emoção da tentativa e do erro sem a massificação dos robôs cantadores que estufam seus tórax e emitem notas e notas sem errar. Depois ela se despediu acenando de leve com a mão, atirando o nada contra ele mesmo, movendo o ar de maneira quase visível. Enquanto eu comecei a pensar em seus dois gestos ela se foi e eu nem mesmo percebi. Ambos me causaram um sentimento, e a primeira palavra que surgiu em minha mente para explicá-lo foi "estranheza".
Depois da sua ausência senti minha pele ainda um pouco aquecida do contato passageiro, o que me causou novamente o mesmo sentimento. Esta palavra, "estranheza", transmite-me uma idéia na língua portuguesa que é quase contrária ao que eu senti. Minha estranheza foi parecida com o "extraño" da língua espanhola, que pode ser traduzida livremente como saudade. As duas palavras possuem a mesma raíz e, entretanto, o uso de "estranheza" ou "estranho" possui um certo desconforto de sentido na língua portuguesa, gerando uma conotação negativa. Esse desconforto, que inicialmente pode parecer longe da idéia de um casal apaixonado hipotético que declara sua saudade recíproca com "extraño" são na verdade a mesma coisa. Estranho é algo diferente, não-cotidiano, mas não necessariamente ruim. Estranho é algo não-usual, mas não gostamos de mudanças na vida. Qualquer estranhamento causa desconforto, incômodo por sentirmos algo diferente de nossa rotina. o "extraño" espanhol quer dizer estranhar a distância. Saudade é estranhar a distância. Estranhei Clarissa.