Bom, como alguns de vocês já sabem, eu estou tentando ir para a Alemanha fazer uma parte do meu doutorado. Nunca cogitei essa possibilidade, na verdade ela surgiu totalmente por acaso quando eu pensei em desistir de ser cientista. Me explico. Meu antigo projeto de doutorado estava dando muito errado e, calejado do mestrado como já sou, fui conversar honestamente com a minha orientadora sobre a possibilidade de largar tudo e virar hippie, um pouco ao estilo do que o
Omni fez no mestrado. Ela não só me convenceu a não fazer isso (como ela sempre teve a manha de fazer) como me deu um novo projeto e um novo co-orientador o qual, de quebra, conseguiu uma colaboração nas Oropa para esse brazuca aqui ir. Daí eu tive que começar a tentar obter a bolsa de doutorado-sanduíche. Esse longo processo começou há uns cinco meses e, como sempre costuma acontecer com o Chico, várias histórias engraçadas, tristes, certamente nonsense e de gosto provavelmente duvidoso aconteceram até chegar o dia de hoje, no qual falo com uma certeza razoável que a tal viagem vai sair mesmo e que eu vou embora por um ano. Aí vão as melhores histórias do que eu andei fazendo nos últimos tempos (sempre com a grande ressalva do humor pouco ortodoxo, afinal conheço poucas pessoas que zombam da possibilidade - ainda que póstuma - do próprio câncer):
1) Dente sisoMaior zica de saúde da minha vida, certamente. Começou quando resolvi fazer um check-up médico e odontológico antes de ir embora. Dai eu descobri que meu dente siso, que estava incluso há 7 anos atrás, última vez na qual tive notícias dele, tinha andado ocupado nesse tempo. O maldito entrou mais para dentro da minha mandíbula ao invés de sair, regrediu para dentro do osso e chegou perto demais do meu nervo mandibular (que é o que controla a sensibilidade e a motricidade da língua, lábios e parte do rosto), o que tornava a cirurgia de alto risco, já que o nervo podia ser lesionado. Para piorar ainda mais o dente formou um cisto dentro da minha mandíbula, o que veio a ser a minha primeira suspeita concreta de câncer que teria que ser diagnosticada por biópsia. O caso era tão preocupante que dois dentistas nos quais eu levei os exames me falaram exatamente a mesma coisa: "seu caso é único e gravíssimo, nunca vimos nada parecido e honestamente vamos ter que estudar a melhor maneira de fazer o tratamento". Já que estva tudo fodido mesmo, sugeri da gente pelo menos fazer um pôster e me mandar (literalmente, eu mesmo) como estudo de caso para algum congresso de Odontologia em algum lugar doido e paradisíaco (pensei: "já que o caso e grave mesmo, vou me jogar na vida! Fico lá de boca aberta e nas poucas horas de vida que me restarem eu aproveito"), mas nenhum deles animou muito com a idéia... Agora, quando olho para trás, acho que essa foi a semana mais apreensiva da minha vida até sair o resultado da biópsia, negativo, felizmente.
Daí veio o segundo problema: faltavam dois meses para eu ir embora e a cirurgia tinha que ser feita em, no mínimo, três meses para fazer tudo com mais segurança. Meu dentista faz o estilo "doidão que adora desafios", e decidiu arriscar junto comigo e operar assim mesmo. Daí foi "só" fazer duas cirurgias, sendo a primeira para colocar uma mangueirinha na boca para drenar o tal do cisto e a segunda para a remoção do dito, mais do siso incrustado na minha mandíbula mais o meu último molar que teve a sua raiz comida pelo cisto e foi pro saco. Isso deu pelo menos uma semana da dor mais intensa que eu já senti, com direito a não conseguir pisar no chão nem abrir os olhos direito por horas na sua cama. Agora as coisas estão melhores, mas o tal do dente do juízo esteve mais para juízo final no meu caso...
2) TOEFLBom, eu tinha que ter proeficiência em alemão para ir para a Alemanha, certo? Certíssimo. Regras da CAPES. Mas nada que um co-orientador influente não resolva. Acabou que rolou de ir *só* com o tal do TOEFL. Essa provinha divertida é dividida atualmente em 4 sessões: comprehension (leitura e resposta), listening (ouvir e marcar as bolinhas certas da prova), speakking (isso mesmo. Os caras te gravam falando sobre qualquer merda - qualquer merda mesmo: dentre os assuntos que discursei encontram-se: atividade geológica na lua, fotografia no século XIX e estacionamentos cheios em campus de universidades - e mandam pros states para alguém lá corrigir) e writing (redação sobre mais temas bizarros). Aviso que a prova não é trivial, absolutamente. Foi a primeira vez que fiz uma prova de língua na qual eu não sabia que tinha ido bem.
Mas como não podia deixar de ser, tinha que dar zica no processo. Meus maiores problemas aqui foram o fato de que não existia data para fazer a prova aqui em BH, o que me levou a ir para São José dos Campos fazer a maledeta e o fato de que a primeira cirurgia na minha boca foi feita *no dia* da minha viagem, o que me deu muitas dores durante o sacolegar do buzão. Acredite, foram 11 horas de desespero e vontade de pegar um táxi no meio do nada e voltar prá casa para me encolher em posição fetal para balbuciar palavras desconexas de dor. A parte falada do exame foi um sofrimento a parte.
Ah, uma experiência certamente única foi ficar no hotel mais vagabundo da minha vida: Se você chegar no taxista do interior e falar que quer um hotel *barato* acredite, você vai realmente conseguir um: 13 reais a diária, incluindo um *coelho de estimação* do hotel que ficava passeando e cagando nos corredores imundos e dentro do meu quarto, uma porta que não fechava direito e que o coelho maldito sabia abrir para entrar, uma co-evolução do primata tentando fechar a porta e do roedor tentando abrir (eu tinha poucas ferramentas e o roedor ganhou a batalha, mas não a guerra. Descobri que ele odiava fumaça de cigarro, daí para mantê-lo fora do quarto foi um pulo), cortinas mofadas que eu só percebi no meio da noite, quando não conseguia mais respirar, um banheiro coletivo tosco e praticamente a céu aberto que eu nem tive coragem de usar, passei dois dias sujo mesmo (ainda mais porque da única vez que eu fui tentar usar o maldito coelho me atacou de novo). Vivi nesse lugar por 28 horas, parece que foi muuuito mais.
Mas passei na prova.
3) AmorPequeno resumo Saramaguiano da minha vida amorosa:
Adote a vida de solteiro; ache que aprendeu todas as manhas para não se apaixonar; viva nesse estilo por quase dois anos; realmente percaba que vc não se apaixona mais como vc fazia antes; apronte todas com todas as mulheres; se apaixone levemente por algumas no meio do caminho e tenha certeza de que vc nasceu para ser solteiro, ao ver a sua paixão desaparecer em poucas horas regadas a samba; perca as suas convicções, seu chão, seu norte ao se apaixonar muito, muito de verdade pela mulher mais confusa e maravilhosa da sua vida nos últimos tempos faltando pouco mais de um mês para vc viajar; pense nas suas outras namoradas e perceba que achar alguém mais confusa do que elas é para poucos; tenha certeza que isso vai te dar muita dor de cabeça; decida investir nisso mesmo assim; ouça a outra pessoa dizer que também está apaixonada por vc e que quer terminar com vc 3 vezes na mesma semana pelos mais diversos motivos; entenda todos eles -discorde da maioria- e a convença de que eles não são suficientes; fique com a pulga atrás da orelha porque você simplesmente *sabe* que existe um motivo maior por trás dos outros que ela não te contou; se arrependa de ter decidido investir; desarrependa-se em 5 minutos; pense em desistir da viagem por causa dela; desista; repense; decida ir; ouça a outra parte voltar a dizer que gosta de vc e te explicar a parte da vida dela que ainda não tinha sido explicada e que vc sabia que ainda faltava; veja que ela até que tem uma certa razão mesmo agindo de uma maneira diferente da qual você agiria; pense que, se vc está confuso, imagine ela agora que vc sabe de tudo; acerte seus ponteiros com a mulher; termine pela última vez e saia mais confuso e apaixonado do que começou. Tenha a certeza, não absoluta, já que nada o é, que você fez tudo e que faria muito mais.
Eu escrevo isso para que você leia e, quando escrevo, entendo o surgimento de todas as musas. Como poderia não entender? Nós somos movidos a paixões, pequenas partículas de caos. Crio dezenas de musas em minha cabeça para cada ocasião em que me lembro das coisas que "poderiam ter sido", e todas tem o seu rosto, e elas me angustiam. Ah, as coisas que não são. Estas são as únicas que nos fazem sofrer, pois nos mostram nossos desejos e não como as coisas se deram, remetem às nossas idéias e não ao modo como as coisas foram. Quando penso na inevitabilidade do ato já feito e na poda dos outros atos que não aconteceram, inúmeros, infinitos, quando penso na gente, penso no Milan Kundera. Através dele conheci o ditado em alemão "Einmal ist Keinmal" ("uma vez não conta", "uma vez não é o bastante"). Esse conceito quer dizer que os eventos são únicos, que o que está acontecendo agora na sua vida será exclusivo e extremamente fugaz. Muitas vezes pensamos nas nossas vidas como um esboço, como um rascunho de algo inacabado mas que constantemente projetamos para o futuro, algo que não conhecemos mas desejamos. Matamos e morremos e rimos e choramos para chegar nesse desenho final. Entretanto esse desenho e todos os seus esboços não existem em nenhum outro lugar além das nossas idéias! Nossa cabeça é um cemitério das possibilidades que queremos fazer, vivemos no mundo ilusório das milhares de coisas “que virão a ser” e que planejamos mas, como cada ato da vida é único, cada escolha é final na sua existência leve, levíssima. Insustentável. Isso me angustia mais, porque percebo que poderíamos ter sido alguma coisa, qualquer coisa. Quantas viagens, risos e choros existem perdidos dentro da minha cabeça, minha linda! Mas isso agora é só mais uma coisa que não foi, dentre tantas outras. Para nós hoje não vejo mais os planos, só consigo ver as coisas que não foram. E existe outro jeito? Já sabemos a resposta, só na minha cabeça...
Não escolhi me apaixonar, e tenho certeza que você também não. Poderíamos ter vivido um mês maravilhoso, com mais coisas boas que ruins, felizes que tristes, mas isso agora pertence ao infinito mundo das milhares de coisas que não foram pra que uma pudesse ser. Nunca saberemos como seria, em parte porque tenho meus limites e em grande parte porque você tem os seus, os quais eu respeitei e tentei compreender mais do que tudo. Mas então como poderia ter sido diferente?
Bom, gente, depois do amor é mais ou menos isso aí. Depois de tudo feito, vejo que a viagem vai ser boa, trabalhei muito por ela, como pode não ser? "Einmal ist Keinmal". No mar de inúmeras possibilidades únicas da minha existência eu vou no dia 27 de Novembro e ainda estou olhando alguns detalhes finais. Irei fazer várias e várias despedidas e vcs, caros leitores, serão convidados oportunamente para todas as que quiserem ir. Mais novidades aqui nesse blogue logo logo.